Ler o som: os produtores musicais que mudaram a música
Livros sobre a história e a arte da produção musical, pelos produtores que revolucionaram a música
Em todos os grandes discos, há uma figura (ou mais) que nem sempre aparece nas fichas técnicas, nem nas fotos das bandas: o do produtor musical. São os alquimistas do estúdio, os responsáveis por transformar aquelas ideias soltas que os músicos trazem consigo em canções com identidade, carácter e impacto.
Alguns trabalham nos bastidores, outros tornam-se quase tão conhecidos quanto os artistas que produzem. Esta lista de livros vai colocar-vos dentro do estúdio, ao lado de lendas da música, descrevendo o momento exato em que pegaram numa ideia e a transformaram num clássico, e como o fizeram. E também os dramas criativos e pessoais que se desenrolaram nesse espaço particular que é um estúdio de gravação.
ÍNDICE
O que é, afinal, um produtor musical?
Here, There and Everywhere: My Life Recording the Music of the Beatles – Geoff Emerick
Abbey Road to Ziggy Stardust – Ken Scott (com Bobby Owsinski)
Making Rumours – Ken Caillat (com Steven Stiefel)
Life and Death on the New York Dance Floor – Tim Lawrence
Behind the Glass – Howard Massey
Rick Rubin: In the Studio – Jake Brown
Porque é que estes livros importam
Queres ser produtor musical? O que precisas de cultivar e desenvolver
O que é, afinal, um produtor musical?
Se o músico é quem toca, o produtor é quem ouve. É quem vê a música de fora, com distância suficiente para perceber o que falta, o que sobra e o que pode ser transformado. Pode ser um técnico, um conselheiro, um compositor, um maestro ou, muitas vezes, tudo isso ao mesmo tempo. Muitos começaram como músicos e/ou engenheiros de som, mas todos têm a capacidade de ouvir, expandir e definir uma canção.
O trabalho de um produtor musical começa antes da primeira nota ser gravada e continua muito depois da última. Escolhe estúdios, microfones e músicos de sessão. Acompanha ensaios, reformula arranjos, sugere cortes e decide takes. Às vezes conduz todo o processo com mão firme, a um nível quase ditatorial, como Phil Spector, referido em alguns destes livros. Outras vezes, limita-se a criar o ambiente certo para que a banda brilhe por si.
Há quem diga que um produtor é como um realizador de cinema. Outros comparam-no a um editor literário. Mas talvez a melhor imagem seja esta: o produtor é a ponte entre a intenção do artista e aquilo que o público ouve.
Nos discos certos, com as pessoas certas, essa ponte é o caminho para a margem onde nascem os clássicos.
Here, There and Everywhere: My Life Recording the Music of the Beatles – Geoff Emerick
Em Here, There and Everywhere, Geoff Emerick partilha como foi estar dentro dos estúdios Abbey Road nos anos mais criativos e caóticos dos Beatles. Contratado ainda jovem como técnico de som (com apenas 15 anos), Emerick aos 20 estava envolvido na gravação de Revolver, gravando de seguida Sgt. Pepper’s e Abbey Road, sendo uma das figuras-chave na transformação dos estúdios da EMI (como eram designados na altura) num verdadeiro laboratório sonoro. Principalmente, porque foi obrigado a quebrar todas a regras estabelecidas pela indústria para poder satisfazer as ideias sonoras que os Beatles tinham.
O livro mostra como as inovações técnicas andavam de mãos dadas com a experimentação artística: gravar vozes através de colunas Leslie, usar fitas ao contrário, usra os microfones em baterias de formas até então impensáveis. Mas o livro não fala só dos aspetos técnicos da gravação. Emerick revela as dinâmicas internas da banda, os conflitos criativos, as sessões longas e tensas e, acima de tudo, o desejo constante de fazer algo diferente.
Emerick não era apenas um engenheiro de som. Era um inovador, alguém que ouvia as ideias mais loucas de Lennon ou McCartney e dizia “vamos tentar”.
Este livro é um relato íntimo dos anos mais revolucionários da banda, cheio de detalhes técnicos e episódios inesperados, e como foram inventados sons que nunca tinham sido gravados até então. Obrigatório para quem quer perceber como se grava um disco quando tudo está em aberto e nada é garantido, para fãs da criatividade dos Beatles.
Abbey Road to Ziggy Stardust – Ken Scott (com Bobby Owsinski)
Se Emerick nos leva aos bastidores da era psicadélica dos Beatles, Ken Scott mostra-nos como foi atravessar os anos 60 e 70 ao lado de artistas como David Bowie, Elton John e Lou Reed. Em Abbey Road to Ziggy Stardust, escrito com Bobby Owsinski, Scott conta como começou como técnico nos estúdios da EMI (substituindo Emerick no caótico processo de gravar o White Album dos Beatles) e rapidamente se tornou produtor de alguns dos álbuns mais influentes da música moderna.
O livro é um mergulho nas que foram as duas décadas mais revolucionárias da história da música popular. Ken Scott esteve lá quando os Beatles estavam a gravar o White Album, mas também quando David Bowie inventava Ziggy Stardust. Trabalhou com Elton John, Supertramp, Duran Duran, Devo e muitos mais. Ao longo destas memórias, Scott conta como ajudava os artistas a encontrarem a sua sonoridade, às vezes com truques de estúdio, outras com intuição pura.
Mais do que listar sessões de estúdio que deram em álbuns de referência, Scott explica o processo criativo, a relação com os artistas e as decisões que transformam uma boa gravação num álbum lendário. Um retrato vivo de um tempo em que o estúdio era um laboratório de experiências sónicas e viveiro de personalidades únicas.
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Making Rumours – Ken Caillat (com Steven Stiefel)
Por falar em personalidades únicas, Making Rumours, de Ken Caillat, é o relato de um disco feito no meio de tempestades emocionais, dramas pessoais e uma chama criativa que ainda arde num dos discos mais importantes dos últimos 50 anos. Os Fleetwood Mac estavam no auge da fama, reinventando-se com dois novos elementos, e também em pleno colapso relacional, com dois casais desavindos e o outro elemento em pleno divórcio.
Caillat, que co-produziu o disco, leva-nos para dentro dessas sessões intensas, onde as mágoas pessoais se transformavam em canções e cada gravação exigia equilíbrio entre sensibilidade artística e gestão de crise. Produzir Rumours, dos Fleetwood Mac, foi tudo menos pacífico: amores desfeitos, tensões criativas, egos descontrolados, tudo isso gravado em fita.
Mas o livro é mais do que um diário de dramas: é também uma aula prática sobre produção musical, onde se fala de compressão paralela, layering de vozes, escolha de microfones e tudo o que é necessário para criar um som cristalino e envolvente.
Este livro é uma viagem por cada faixa, cada sessão, cada ideia testada (e muitas vezes descartada). Caillat partilha não só os detalhes técnicos das gravações, mas também os desafios humanos que um produtor enfrenta quando lida com personalidades fortes e emoções à flor da pele.É uma leitura essencial para perceber que, às vezes, a dor e o conflito podem ser matéria-prima para obras-primas — e que o produtor é muitas vezes o único a segurar tudo isso enquanto grava.
Esta entrevista aborda alguns dos aspetos técnicos essenciais desse disco.
Sound Man – Glyn Johns
O britânico Glyn Johns esteve presente em momentos-chave da história do rock. Trabalhou com os Rolling Stones, The Who, Led Zeppelin, Eagles, Clapton... e sobreviveu para contar a história. Em Sound Man, Johns partilha as suas memórias, sem filtro, tanto dos sons como das personalidades intensas que povoavam o estúdio.
Johns era conhecido pela sua abordagem minimalista e eficaz: poucos microfones, posicionados de forma simples e eficaz. Teve tanto impacto que a sua técnica de gravar bateria é ainda uma referência para os produtores com poucos recursos. O livro é um manual de como captar a essência de uma banda sem truques, apenas com ouvidos treinados e confiança na música.
Mais do que histórias de bastidores (que também não faltam), Sound Man é uma lição sobre confiança, bom gosto e como um produtor pode ajudar uma banda a encontrar e assumir o seu som autêntico.
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Life and Death on the New York Dance Floor – Tim Lawrence
Nova Iorque, anos 80. A cidade fervilhava de clubes, DJs e produtores que estavam a inventar, literalmente, novos estilos de música. Do electro ao house, do hip hop ao garage, nomes como Larry Levan e Todd Terry estavam a criar muito mais do que batidas dançáveis: estavam a dar forma a uma nova cultura.
Tim Lawrence conta essa história não através de um único protagonista, mas de uma comunidade inteira. O livro mistura relatos pessoais com contexto histórico e mostra como os produtores eram visionários, alquimistas do groove e curadores da pista de dança, para além de técnicos.
É um livro sobre DJs, clubes, engenheiros, editoras independentes e artistas que, juntos, inventaram a música de dança como a conhecemos, um mosaico vivo e envolvente de noites sem fim, onde o estúdio e a pista de dança estavam em constante diálogo.
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Behind the Glass – Howard Massey
E se pudessem estar na mesma sala que George Martin, Daniel Lanois, Rick Rubin, T Bone Burnett, Tony Visconti e tantos outros? Behind the Glass é um conjunto de entrevistas com alguns dos maiores produtores do mundo.
Cada conversa revela técnicas, filosofias de trabalho, erros cometidos e momentos de inspiração. Não é uma narrativa contínua, mas uma colecção de masterclasses.
É o livro ideal para quem quer aprender directamente com os mestres. Não é linear nem biográfico, mas é talvez o mais rico de todos para quem está interessado na arte da produção musical. São várias perspectivas, várias filosofias, e muitas lições práticas, num só volume.
Massey explica as razões deste livro e algumas das melhores ideias e histórias neste podcast.
Rick Rubin: In the Studio – Jake Brown
Rick Rubin é um ícone pela sua figura dominante, barba longa, presença serena, e opiniões fortes. Produziu artistas tão distintos como Johnny Cash, Red Hot Chili Peppers, Slayer, Adele ou Kanye West. Este livro tenta perceber o método por detrás da lenda.
Rubin tem um estilo inconfundível: simplifica tudo até ao essencial. Não é engenheiro de som, não é músico, nem sequer é técnico. Mas sabe ouvir como poucos, e sabe como tirar o melhor de cada artista.
Este livro mostra como a produção musical também é intuição, empatia e visão artística. Não se trata de uma autobiografia, mas de uma investigação sobre o seu estilo minimalista, centrado na essência da música, muitas vezes despido de efeitos ou artifícios. In the Studio tenta perceber como um produtor pode ser um espelho que obriga o artista a confrontar a sua verdade.
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Porque é que estes livros importam
Cada um destes relatos mostra um lado diferente da produção musical: a invenção radical , a adaptação constante e a gestão emocional São histórias reais, contadas com honestidade e generosidade, que ajudam a perceber o papel único do produtor - o elo entre a ideia e a música gravada.
Para quem quer produzir, gravar ou simplesmente entender melhor o que se passa do outro lado do vidro do estúdio, estas autobiografias são leitura obrigatória. Porque por vezes, para criar algo mágico, é preciso saber quando avançar, quando parar, e quando simplesmente carregar no botão vermelho e gravar.
Queres ser produtor musical? O que precisas de cultivar e desenvolver
A ideia de ser produtor musical e estar num estúdio com artistas brilhantes, a moldar canções que vão ficar para a história pode parecer romântica. Mas por trás desse cenário há uma série de competências técnicas, criativas e humanas que fazem toda a diferença.
Antes de mais, é preciso ouvir. Não apenas escutar, mas ouvir com intenção. Um bom produtor consegue distinguir a emoção de uma interpretação, perceber quando uma nota certa soa errada e como um erro é, por vezes, o que dá personalidade e identidade à música. Aprende-se isso com tempo, com prática e com curiosidade constante.
Depois, há o lado técnico. Dominar os princípios básicos da gravação, dos microfones aos pré-amplificadores e compressores, dos DAWs aos cabos e mesas de mistura, é essencial, mesmo que se conte com um engenheiro de som a bordo. Saber como captar um som é tão importante como saber que som queremos captar.
Mas a técnica sem sensibilidade não chega. Um produtor tem de ter visão musical: entender arranjos, harmonias, estruturas de canções, dinâmicas, texturas. E saber comunicar essas ideias. Às vezes com palavras, outras com gestos, referências ou metáforas, tudo o que chegue à mente criativa dos músicos.
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Depois, vem o elemento talvez mais difícil de todos: lidar com pessoas. Artistas sob pressão, inseguranças criativas, tensões de banda, egos e comportamentos tóxicos. Um produtor é muitas vezes mediador, psicólogo, treinador, pai, mãe e amigo. Precisa de empatia, paciência (muita) e autoridade tranquila.
Por fim, um bom produtor nunca deixa de ser um eterno aprendiz. Ouve discos antigos com atenção de cirurgião, estuda métodos já testados, experimenta abordagens novas, falha, volta atrás, tenta outra vez. Não há fórmulas mágicas: há trabalho, gosto e intuição.
Se sentem que têm esta mistura rara de ouvido, sensibilidade, conhecimento técnico e inteligência emocional, talvez esta seja a vossa vocação. Estes livros podem ser um excelente ponto de partida para a vossa aprendizagem com produtores musicais, ou apenas uma enorme fonte de diversão e prazer porque abordam o nosso tema favorito: música.
O material que para começarem o vosso estúdio está no Salão Musical. Visitem a nossa loja online e comecem a produzir novos sons num instante.